Crítica | Era o Hotel Cambridge

Quem vive em São Paulo e passa pelo centro da cidade já viu alguma vez prédios, antes abandonados, ocupados com bandeiras vermelhas de grupos como MSTS  – Movimento Sem Teto de São Paulo, FLM – Frente de Luta por Moradia, entre outras organizações que lutam por moradia para pessoas de baixa renda.

É comum vermos nos noticiários paulistanos a ação da polícia na desapropriação desses prédios, expulsando os militantes destes movimentos dos locais. Vemos suas famílias sendo despejadas, suas coisas sendo jogadas para fora dos prédios de uma forma que nos faz questionar a conduta dessas que são tratadas como ‘invasoras’ pelo poder público.

Era o Hotel Cambridge vem para nos mostrar a estrutura organizacional coletiva dos movimentos sociais por moradia, se despindo de qualquer preconceito e desmistificando a imagem que temos em relação aos atuantes nestes movimentos.

O filme, dirigido por Eliane Caffé, mostra o cotidiano da ocupação do FLM – Frente de Luta por Moradia dentro do Hotel Cambridge e a desapropriação do prédio pelo poder público.

José Dumont na pele de Apolo

O grande trunfo do filme é mesclar situações romantizadas com imagens documentais. A equipe de Eliane Caffé imergiu dentro da rotina da ocupação por dois anos, criando um vínculo intenso com as pessoas que viviam no Hotel Cambridge.

Os ocupantes foram transformados em atores, desempenhando o papel de suas próprias vidas diante das câmeras e se misturando a personagens fictícios, como Apolo e Gilda, interpretados pelos veteranos José Dumont e Suely Franco.

A direção de atores foi extremamente competente, pois nas situações apresentadas, poucas são as cenas que se mostram artificiais. Os ocupantes atuam de forma muito natural, com destaque para a líder da ocupação, Carmen Silva e o palestino Isam Ahmad Issa.

Partindo de questão da imigração, fator que assola o mundo inteiro e tem espalhado uma tendência de conservadorismo e discriminação, Era o Hotel Cambridge se torna um filme extremamente necessário, pois aprofunda a problemática dos refugiados mostrando que o assunto aqui no Brasil vai além, por conta da intensa migração nordestina para os grandes centros urbanos do sul e sudeste brasileiros.

Dentro da ocupação vemos um choque cultural intenso entre congoleses, colombianos, palestinos e brasileiros e até mesmo um individualismo irônico por parte de algumas pessoas do próprio grupo, mostrando que o pensamento coletivo é algo que se deve trabalhar intensamente no comportamento humano.

Carmen Silva, a líder que carrega toda a responsabilidade pelas pessoas da ocupação do Hotel Cambridge

É em pessoas reais como Carmen Silva que reconhecemos alguém que luta contra o sistema vigente em prol do bem coletivo. E pelo olhar dela também vemos o peso da responsabilidade de comandar pessoas com níveis de comprometimento, culturas e línguas totalmente diferentes. Vemos que as pessoas precisam dela para se organizar, mas também o quanto ela precisa da união e comprometimento dos outros ocupantes para continuar travando as batalhas do movimento junto ao sistema judiciário.

Quem assistir ao filme talvez questione a ausência do ponto de vista da polícia ou do poder público em relação às ocupações, já que vemos apenas a visão dos ocupantes. Porém, a proposta do filme claramente é quebrar o paradigma que temos do militante de um movimento social e criar uma identificação entre o espectador e pessoas como a nordestina Carmen, o palestino Isam ou o congolês Guylain.

Há uma cena no filme em que um colombiano conversa por Skype com a cantora Lucia Pulido em uma estação multimídia montada em um dos andares da ocupação. Ela canta ao seu interlocutor e as outras pessoas presentes ali, por mais que não estejam entendendo o significado de suas palavras, se sentem tocadas pelo seu canto. É nesta cena que aqueles personagens nos mostram o quanto somos iguais na nossa essência. Da mesma forma que homens de diferentes histórias de vida e culturas emocionam pelo canto da artista, todo ser humano independente de sua origem quer ter um lar, um lugar para onde ir e para onde voltar. É por questionar a negação desse direito a pessoas de diversas nacionalidades que Era o Hotel Cambridge  deve ir além da tela do cinema e promover essa discussão nas mais variadas classes e círculos sociais.

Nota: 8

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