Crítica | Soundtrack (2017)

Em 2006, a dupla de diretores denominados 300ml colocou Selton Mello e Seu Jorge juntos pela primeira vez para discutir o “segredo” de Quentin Tarantino – a mente por trás de filmes como Cães de Aluguel, Pulp Fiction e Kill Bill – em “Tarantino’s Mind“, curta que você encontra facilmente no YouTube. Hoje, 11 anos depois, eles voltam a se encontrar em cena, mas o papo aqui agora é bem mais filosófico e profundo.

Soundtrack“, longa de estreia da dupla saída da publicidade traz Selton Mello na pele de Cris, um fotógrafo solitário que decide se isolar numa estação de pesquisa polar para tirar selfies que serão exibidas em uma exposição. A ideia é que as pessoas possam experimentar as mesmas sensações que ele através de um trilha sonora escolhida minunciosamente enquanto observam as imagens. Dito isso, já temos dois personagens aqui: Cris e a trilha sonora. Sim. A trilha é um personagem tão forte e marcante quanto qualquer um de carne e osso que você encontrará aqui. E, diferente do que acontece em milhares de filmes, a trilha não serve unicamente para induzir certas emoções ao público e, ao mesmo tempo, faz isso de maneira majestosa nos levando a sentimentos que nem sabíamos que tava ali. Pode ser um momento de melancolia, de angústia ou até mesmo uma saudade sincera que causa um sorriso de canto de boca, talvez até dolorido.
Complexo? Pois é. Soundtrack é sem dúvida um filme muito sensorial. E acho que essa é a melhor maneira de descrevê-lo. É um filme para se sentir junto aos personagens.

Selton Mello como Cris em cena de Soundtrack.

E por falar em personagens, o filme acerta em cheio no elenco. No foco principal junto com Selton está Ralph Ineson (do ótimo “A Bruxa“) como Mark, um cientista que estuda o aquecimento global. E que delícia de personagem! É um deleite a parte descascar as camadas criadas por Ineson para esse personagem. Não é apenas o cientista, mas o pai, o marido preocupado com a mulher grávida e com o orçamento familiar, é o amigo duro e cheio de limites, mas extremamente humano. O contraste do personagem de Mark e Cris é fundamental para a trama. Enquanto Cris é, na visão dos demais, o artista fútil e com trabalho banal, Mark é o cara preocupado com planeta. Para um não há vida fora da ciência. Para o outro é na arte que a beleza da vida se revela. Porém uma coisa eles têm em comum além da imensidão de neve e vazio ao redor: ambos estão meio perdidos e procurando se agarrar em pequenas coisas para se manterem são, um com mais intensidade que o outro, mas ainda assim perdidos.

Selton Mello e Ralph Ineson como Cris e Mark em cena de Soundtrack.

Os outros três atores do elenco estão corretos e entregam bons momentos de reflexão mesmo que apenas com a presença de cena. Seu Jorge como o botânico Cao é um alívio cômico preciso e sem exageros. É ele também que pontua momentos de percepções importante aos outros personagens sobre Cris, quando este parece estar começando a perder o foco e o entendimento sobre si mesmo.

Com uma qualidade técnica impecável, o tratamento estético do filme é um outro grande acerto. A maneira como a dupla opta por enquadramentos abertos de um grande vazio branco, dando uma percepção maior para o público tanto externa quanto internamente de tudo que está acontecendo é um contraponto interessante aos enquadramentos desfocados e de partes do corpo causando certo estranhamento (refletindo a chegada de um estranho – o artista – a um local cheio de cientistas) e a sensação do “estar perdido” é reforçada por essa escolha estética.

Da esq. para a dir. Ralph Ineson (Mark), Lukas Loughran (Rafnar), Seu Jorge (Cao), Selton Mello (Cris) e Thomas Chaanhing (Huang) em cena de Soundtrack.

Entretanto, Soundtrack definitivamente não é um filme para as massas. Apesar de ser um filme nacional ele é falado 99% em inglês, o que se torna óbvio quando você se coloca na posição de um brasileiro viajando para uma estação de pesquisa no Ártico onde há pessoas de diversas nacionalidades diferentes. Além disso, diferente do que estamos acostumados a ver no cinema nacional, onde grande parte do nosso acervo são de filmes que focam em problemas sociais e políticos do país, ou de comédias comerciais que costumam ir bem nas bilheterias, o filme de 300ml é filosófico, com vários questionamentos sobre ciência e religião, divagações sobre a importância da arte e sobre o vazio existencial em que muitas vezes nos encontramos.

A minha dica é: vá de mente e peito aberto. E tente se sentir como se estivesse numa exposição do artista interpretado por Selton Mello. Abra bem os olhos, e veja o que a música te diz sobre as imagens.

Soundtrack estreia hoje, 06 de julho, nos cinemas.

Nota: 9.0

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